quinta-feira, janeiro 27, 2005

Personagens

ALICE OLIVEIRA
Alice era uma jovem mulher de 35 anos, independente, possuidora de uma inteligência acima da média. Dedicada no seu trabalho, passava dias e noites à frente do computador buscando a perfeição. Era editora num jornal cultural à cerca de 10 anos.
Não é por acaso que Alice se tornou uma mulher empenhada e lutadora. Aos 12 anos, o pai fugiu de casa deixando toda a família na penúria. Para colmatar esta situação, Alice viu-se obrigada a crescer precocemente, fazendo todo o tipo de biscates de forma a ajudar a sua mãe, cujo salário de mulher a dias não chegava para todas as despesas.
Aos 18 anos ingressou no curso de germânicas enquanto trabalhava num escritório de advogados como dactilógrafa. Foi aqui que conheceu Aníbal por quem se apaixonou na primeira troca de olhares. Passados alguns meses casaram no civil, visto não terem condições para uma grande festa.
Mas depressa o sonho de uma vida feliz se tornou num pesadelo tenebroso. Aníbal revelou ser um homem violento e alcoólico. Esta situação levou-o a ser despedido e o dinheiro que Alice ganhava não chegava para as despesas da casa e para sustentar o terrível vício do marido.
Apesar de não desejar a morte de Aníbal causada por uma cirrose galopante, Alice não conseguiu evitar o alívio que sentiu naquele fatídico dia.
Alice era uma mulher alta, de olhos e cabelos pretos. O seu rosto mostrava já marcas da vida complicada que tinha tido até então: olheiras escuras e profundas e algumas rugas de expressão. No entanto, a sua sensualidade não passava despercebida aos olhos dos vários homens com quem convivia.
Afonso, redactor do jornal onde trabalha actualmente, foi o único homem que a fez esquecer a monotonia de um casamento falhado. Tinham uma relação moderna, sem compromissos, mas que a preenchia na totalidade.


CARLOS ALMEIDA
Carlos Almeida era um reformado de 65 anos, alfacinha de gema, que morou toda a vida no Príncipe Real. Os seus dias eram passados no jardim da zona onde jogava às cartas com os seus comparsas. Não era importante o jogo em si, apenas lhe interessavam as vitórias: era, definitivamente, um mau perdedor.
Os poucos cabelos que tinha estavam minuciosamente penteados com litros de brilhantina. Sempre de lenço ao pescoço e engomado da cabeça aos pés, finalizava a sua toillete com uma bengala a condizer.
Teve uma infância feliz, ou não fosse ele filho único! Era apaparicado pela mãe, pelo pai, pelas tias, pelos avós e pelas dezenas de empregadas que trabalhavam no casarão da Cecílio de Sousa.
Passava os dias entre os bordados da mãe e as iguarias da D. Carolina, governanta da casa. Tanto mimo e tantas mulheres ao seu redor levaram Carlos a questionar a sua sexualidade desde cedo... Só gostava de brincar com bonecas, às casinhas, às mães e aos pais e de fazer penteados às suas primas.
Teve uma adolescência complicada. Rejeitado pelo pai, ignorado e achincalhado pelos colegas, descobriu no cabeleireiro da Calçada do Combro o seu refúgio. Era lá que passava a maior parte dos seus tempos livres com o casal de amigos e proprietários deste estabelecimento, Jacques e Francisco.
Desistiu do curso de Engenharia Civil e aceitou o convite dos amigos cabeleireiros para abrir um novo espaço dedicado a questões de estética e beleza ali no Bairro Alto. Teve de pedir algum dinheiro à sua querida mãe, sem conhecimento do pai desiludido pelo caminho que o filho decidiu tomar.
Aqui passou o resto dos seus dias, sempre satisfeito e orgulhoso das obras de arte capilares que era capaz de fazer. Chegou a ganhar inúmeros concursos nacionais, europeus e mundiais de penteados. Todos ali na zona conheciam o famoso Carlos Champs Elysées (nome artístico).
Acabou por se envolver com Sérgio Ribeiro da Cunha, cliente habitual do salão e investidor da alta finança. Foi um amor tórrido, mas com consequências graves: sempre com a sua mania de investir, Sérgio deu cabo de toda a fortuna de Carlos levando a uma separação muito dolorosa.


SOFIA ANDRADE
Sofia era uma jovem de 18 anos, com uma vida miserável. Foi com apenas 13 anos que teve contacto pela primeira vez com o envolvente mundo da droga. Passava grande parte do seu tempo com as primas mais velhas no café, por sinal, muito mal frequentado, em engates pouco apropriados para a sua idade.
Foi aqui que conheceu o Joaquim, carocho de profissão e embrenhado até à raiz dos seus cabelos no submundo do proxenetismo. Como não poderia deixar de ser viu em Sofia um alvo fácil para usar na sua rede de negócios obscuros e negros.
Aliciou-a, prometendo-lhe mundos e fundos e jurando-lhe a sua eterna paixão.
A ingénua Sofia foi na conversa do malandro e deixou-se envolver no romance sem olhar aos males que dali advinham. Mal parava na barraca, ali para os lados do Casal, para não falar da sua ausência na sala de aulas. Só pensava em Joaquim e em passar tempo com ele. Daí até fumar o seu primeiro charro foi um pulo. Segundo palavras da própria, fazia-a rir... Muitas ganzas se seguiram até Joaquim lhe apresentar a sua amiga heroína. Como devem calcular, uma miúda de 13 anos não tem a noção das consequências deste tipo de droga.
O vício tomou conta dela transformando-a numa jovem sofrida e infeliz, completamente alheada do mundo real. Nesta altura já morava na barraca de Joaquim, onde muitas outras também pernoitavam. Eram conhecidas como as meninas do J’aquim e prostituiam-se em troca de algumas graminhas fornecidas pelo “patrão”. Sofia era uma delas....
O seu cabelo, outrora louro e brilhante, era agora uma pasta cinzenta mal disfarçada por um carrapito. Os seus olhos azuis mal se viam, o seu corpo roliço deu lugar a um amontoado de ossos esburacados pela voracidade das seringas.
Como podem depreender, a vida de Sofia não foi muito mais além e a desgraça apoderou-se do que restou dela.

DANIELA FREITAS
Daniela de 30 anos tinha decidido que era a altura ideal para ser mãe. Toda a vida foi uma mulher muito interessante, apesar de ser baixa e não ter umas feições muito bonitas, o seu estilo sobressaía sempre. Era uma mulher de muito bom gosto e gostava de coisas boas e caras, por isso, começou a trabalhar relativamente nova. Como reflexo do seu bom gosto e vontade de viver em contacto com as novidades de todo o mundo, Daniela foi trabalhar como hospedeira para a TAP.
Ela tinha uma boa condição económica e com a morte dos seus pais, herdou um prédio na zona velha de Almada, perto do Castelo. Foi então que, já casada com Filipe, seu namorado desde sempre, decidiram ter um filho.
O que a principio parecia simples e a concretização de um sonho, tornou-se num empecilho nas suas vidas despreocupadas.
Daniela apercebe-se de que não consegue engravidar. Após consultarem vários especialistas na área da fertilização, mentalizam-se que dificilmente conseguiriam ter um filho. Tentaram vários tratamentos de fertilidade e nenhum deu resultado. Foi a um ginecologista que tinha ajudado uma amiga sua a enfrentar o mesmo problema e que a aconselhou a tentar a técnica de fertilização in vitro. Passaram-se alguns meses e, nada... Daniela começava a desesperar e a ficar cada vez mais obcecada com a ideia de ser mãe. Não se mentalizava com a situação e para ela já valia tudo.
Preocupada, acima de tudo, com a sua felicidade e o seu desejo de ser mãe, dirigi-se a um Banco de Esperma.
Ao chegar a casa, informa Filipe da sua decisão. Filipe ficou magoado por ela ter tomado a decisão sem sequer o consultar e sem lhe dar a hipótese de se pronunciar sobre o assunto.


RUTH RITA
Manicura de profissão, Ruth Rita, sonhava pisar um palco. Morava em A-da-Beja com a sua mãe Kárina, uma mulher enxuta e virada p’rá frentex. Faziam a vida negra a Tó Nando, serralheiro de profissão, pai de Ruth Rita.
Passava o dia a falar dos grandes feitos que poderia vir a fazer num palco, a imaginar-se e a sonhar alto. Toda a gente lhe achava imensa graça. Na verdade muitos lhe diziam que ela tinha fortes parecenças com a sua cantora preferida, a Ágata, o que a deixava feliz da vida. É certo que a semelhança entre elas era pouca, ou nenhuma, a não ser na cor de cabelo, que só era loiro porque estava pintado, na sua grande poupa cheia de laca e no seu carrapito no alto da cocuruto.
Mas Ruth Rita era ambiciosa e certo dia, parada à frente da televisão, sua maior companheira, viu anunciar um concurso para assistentes de um programa de televisão em horário nobre.
E foi assim que começou a sua “carreira” artística. Ruth foi aos castings e devido ao seu à vontade com as câmaras, a produção não hesitou em dar-lhe aquela que seria a oportunidade da sua vida... Ruth era agora a assistente principal de Teresa Guilherme no 1,2,3 e pavoneava-se alegremente pelo estúdio enquanto bamboleava as suas ancas e nádegas esculturais.
Mas estes 15 dias de fama foram sol de pouca dura. A mania que Ruth tinha de se apoderar da câmara, atropelando a apresentadora, levou ao seu despedimento.
Até hoje, esta rapariga ambiciona uma vida de fama e continua numa procura incessante de oportunidades profissionais no meio artístico.
Trabalha no café da zona, atrás do balcão, mas todos os dias presenteia os seus novos clientes com os sucessos mais recentes da sua fonte de inspiração, a rainha do pimba: Ágata... Aos fins de semana dá uns concertos que deixam muito a desejar no centro recreativo do bairro.


JOÃO ESPÍRITO SANTO
O menino Joãozinho era uma criança muito problemática: era abusador, mal educado e violento, ou seja, insuportável.
As educadoras já não sabiam o que fazer. O Joãozinho, sem saber, era a razão de todos os problemas dentro da sala de aulas. Batia nos colegas, respondia mal às professoras, não respeitava os castigos e tinha uma mania muito desagradável: cuspia para cima de tudo e de todos quando as coisas não eram feitas à sua maneira.
Desesperada, a sua professora Mónica, decidiu convocar uma reunião de emergência com os pais do rapaz, convencida que os seus problemas eram provocados por excesso de mimo.
Mas as suas suposições estavam erradas: o João era o 5º de sete filhos. Não havia possibilidade de ser mimado, já que os pais passavam maior parte do dia a trabalhar e repartiam de igual forma a atenção por todos os filhos.
Mónica achou por bem aconselhar os pais a levarem-no a uma consulta de pediatria e que expusessem ao médico, sem ocultar nada, a situação instável do seu aluno.
Na sala de espera, o rapazinho loiro e franzino não conseguia parar quieto e chegou a partir 2 cinzeiros... Os pais não sabiam o que fazer e já estavam envergonhados com toda aquela situação...
O médico, ao observar o João, mostrou-se entusiasmado, pois sabia bem qual era o problema do pequenote: “O João é hiperactivo! É normal nas crianças da idade dele... Não pensem que é caso único! Vou dar-vos o contacto de uma associação onde vários pais de filhos com o mesmo problema se encontram e partilham experiências...”
O conselho do médico foi seguido à risca e a situação do João acabou por se resolver. Para além disso, os pais encontraram naquela associação um apoio e um grupo de amigos para a vida!


MANUEL FONSECA
Manuel é um homem de 31 anos, todos os dias por volta das 5 e meia da manhã levanta-se da cama para mais um dia de rotina. Assim que acorda a primeira coisa que faz é lavar os dentes, hábito que desenvolveu desde criança porque todos os dias ouvia a sua avó a ralhar ( Oh Manel, se não escovas os dentes ficas como o Zeca ali da tasca! ). Manuel chega mesmo ao cúmulo de escovar os dentes 10 vezes por dias.
Depois de fazer a sua higiene pessoal prepara-se para mais um dia de entregas. Chega ao posto de correios, divide a correspondência, mete a mala às costas e segue para a zona de serviço situada na Estrela.
Enquanto deposita as cartas no correio depara-se com as mesmas pessoas de sempre. A senhora Emília, peixeira de profissão que todos os dias faz a mesma pergunta: Oh Manel, trazes alguma coisa para mim? E a senhora Amélia da padaria que todos os dias guarda um papo-seco fresquinho como ele tanto gosta.
Manel é adorado por todos, a sua simpatia e boa disposição cativam todos aqueles que o conhecem. É um jovem alto, entroncado mas com uma barriguinha saliente reflexo das inúmeras cervejas que bebia com o António da talho na tasca do Bexigas. Tem o cabelo ruivo encaracolado do pai, a cara pálida da mãe e os olhos esbugalhados sabe-se lá de quem.
Depois de um dia cansativo de trabalho, Manel vai para casa e ao seu jeito metódico e organizado coloca os seus sapatos no lado direito do hall de entrada. Rapidamente calça as suas pantufas em forma de papagaio oferecidas pela sua avó Matilde no seu vigésimo aniversário.
Depois de vestir uma roupa confortável dirigi-se para a cozinha de forma a preparar o seu jantar. Retira dos seus armários catalogados por ordem alfabética e dividido por cores os ingredientes necessários para o seu jantar. E claro, antes do jantar Manel não se esquece de escovar os dentes.
Desde que os seus pais se mudaram para Pampilhosa da Serra que a sua vida se tornou monótona e solitária. Apesar de ter tido algumas namoradas Manel só se apaixonou verdadeiramente por uma. Chegou mesmo a partilhar o apartamento com ela, mas num fatídico dia de inverno Marília usou e abusou da sua escova de dentes. Manel já a tinha avisado com alguma moderação que ela podia usufruir de tudo menos da sua escova de dentes. Nunca mais a quis ver e decidiu não se relacionar com mais ninguém.

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