quinta-feira, abril 07, 2005

História

Este trabalho foi realizado no âmbito da cadeira de Seminário de Escrita Criativa e Interactiva. O objectivo é contruir uma história com base em diversas palavras começadas por «sol».


- Oliveira, ajuda aqui, acabei de partir o meu salto!, disse Fátima entrando apressada no café, cheia de sacos de compras.
- Deixa lá mulher, hoje é quinta-feira, amanhã aparece aí o Tio Joaquim com o material e arranja-te isso, responde Oliveira sem tirar os olhos do papel onde fazia as contas do mês.

Aquele era mais um dia solarengo e pacato em Outeiro Seco, aldeia transmontana mesmo na raia com Espanha. Eram já nove da noite e o sol começava a desaparecer em mais um longo dia, o maior do ano, o anunciado solstício de Verão.

Fátima tinha chegado da cidade, onde foi ao hipermercado fazer as compras para esse mês. Tinha de ser sempre assim: em Outeiro Seco apenas havia pequenas mercearias e era a Chaves que tinha de ir para poder abastecer a sua cozinha.

Agora, além de todas as preocupações que já tinha com o aproximar do Juramento de Bandeiras do seu filho Bruno, que era soldado na cidade, ainda teria de perder tempo com o sapateiro que passava na aldeia no dia seguinte para lhe solucionar aquele problema. Precisava mesmo de arranjar aqueles sapatos, porque eram os únicos que tinha para ir até Chaves. Teria de voltar à cidade mais vezes até dia 12, altura em que toda a família se ia reunir, para assistir àquele acontecimento solene.

Bruno tinha tido a sorte de ficar em Chaves, bem perto de casa. Assim, seria mais fácil reunir toda a família e faltava pouco mais de uma semana para o grande dia. Fátima, todos os dias cuidava da sua horta para que pudesse colher os legumes mais frescos e as batatas maiores. O solo daquela região é fértil e qualquer semente se dá bem e cresce depressa. Soltava os animais para que pudessem pastar e circular à vontade. Dizia que só assim seriam felizes e na hora de comer teriam um sabor ainda mais apurado.

- Rafael, anda ajudar-me com as compras! Tenho que arrumar isto tudo e ainda fazer qualquer coisa para o jantar. Larga isso e vem já, resmungou para o seu filho mais novo.
- Vou já, espera só mais cinco minutos, disse o jovem no seu jeito molengão de sempre.
- Não pode ser, rapaz, anda cá ajudar-me senão nunca mais me despacho.

Rafael tinha 20 anos, já não andava na escola e trabalhava num café em Chaves. Chegava a casa cedo. Solteiro e com bastante tempo livre, dedicava-se com grande prazer às velharias que tinha na garagem, o seu espaço preferido. Já tinha feito diversos carrinhos com bicicletas velhas, que ia juntando, mas agora dedicava-se a um projecto maior. Tinha decidido montar um carro com um motor velho que tinha em casa e algum ferro que pediu nas Ferragens do seu amigo José. Estava entretido a soldar quando a sua mãe o chamou, mas não se importou em ser solidário e ir ajudar – continuou a sua tarefa como se nada fosse.

Tinha prática daquelas coisas: desde pequeno se juntava ao seu avô na oficina e ia mexendo com todos os instrumentos que encontrava. Era a típica criança de aldeia que, depois da escola, se entretinha com as coisas que ia encontrando por casa. Para ele, mexer com diversos tipos de ferramentas era normal e fazia-o sem quaisquer problemas.

Com a máscara nos olhos e concentrado no seu trabalho de soldadura nem deu conta da entrada de Fátima na oficina.

- Eu não te disse para me vires ajudar, rapaz?, disse nervosa.
- Ó mãe podias esperar um bocado, não vês que estou quase a terminar isto, depois já vou. Não precisas de ser tão acelerada, respondeu sem a olhar.
- Tu realmente não tens remédio. Às vezes parece que te tenho de solicitar as coisas mil vezes e mesmo assim não me ligas nenhuma. Fica lá aí que eu faço tudo sozinha.

Fátima sabia que, quando Rafael se fechava na garagem, não havia muito a fazer. Dirigiu-se sozinha para a cozinha e resolveu tomar um comprimido daqueles solúveis para ver se a sua soltura passava. Andava mal da barriga desde cedo e ainda não tinha arranjado solução. A sua vizinha Solange tinha aconselhado aqueles comprimidos, que ajudavam a solidificar o seu problema.

Oliveira continuava no café contíguo à cozinha, a fazer as contas do mês, enquanto ia falando com os clientes habituais. Fátima ficou de volta do fogão a tratar do jantar. Desde pequena gostava daqueles momentos de solidão em torno das panelas. Rafael seguia solitário na garagem. E assim acabava mais um dia desta pacata família transmontana.

Sem comentários: